Imagine a cena: você decide virar concurseiro (quero estabilidade, bom salário e todos os benefícios que um servidor tem direito). Você se matricula em um cursinho preparatório (vou estudar sério, obedecer a uma rotina e largar a "cervejinha" dos fins de semana). Já na primeira seleção, você dá de cara com mais de duzentos candidatos por vaga (estou preparado, estudei muito e, afinal, preciso só de uma chance). Infelizmente, você não é aprovado, mas persiste. E persiste. E nada de aprovação. A jornada diária de trabalho e estudos, as poucas vagas, a grande concorrência, a pressão familiar... tudo parece desmoronar. Triste, não? E não é só força de expressão. A cada dia mais cresce o número de candidatos em consultórios de psiquiatras e psicólogos, compartilhando o mesmo problema: a depressão.
Raquel Pimentel dos Santos conhece bem esse ciclo. Hoje, a técnica administrativa da Secretaria de Saúde do Distrito Federal conta como trilhou um caminho árduo para enfim ser tornar servidora. "Ser concurseiro é ser multifacetado. Você trabalha, estuda e ainda tem que cuidar dos filhos. A pressão para ser perfeita em cada uma dessas tarefas é grande e o resultado é o estresse, a mudança de humor, a hipertensão, os choros constantes, o isolamento e, principalmente, o sentimento de culpa", desabafa.
A depressão também faz parte da vida de Maria Silva*. Em 2008, ela participou do concurso da Agência Nacional de Transportes Terrestres e conseguiu ficar em quarto lugar - foram oferecidas apenas duas vagas efetivas para o cargo de especialista em regulação. Quase dois anos se passaram e ela já havia esquecido o certame, quando no final de 2010 o órgão enviou um e-mail informado que ela deveria enviar o currículo, porque logo seria chamada para o curso de formação. A alegria de Maria durou pouco, pois em seguida a ANTT enviou outro recado cancelando as informações passadas anteriormente. "Já tinha predisposição para depressão. Depois disso não parei mais de chorar, tive que procurar a ajuda de um psiquiatra e venho tomando uma série de antidepressivos. Agora estou me recuperando e vou tentar retomar os estudos esse ano - já que durante todo esse tempo tive dificuldades de concentração e aversão a qualquer coisa que me lembrasse concursos".
A história não é diferente com André G., que há cerca de quatro anos se inscreveu no certame do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. De acordo com o concurseiro, ele acertou 69 das 70 questões da prova e a nomeação já era certa. Acontece que, ao sair da sala de aplicação dos testes, ele soube de irregularidades que ocorreram e o concurso acabou sendo cancelado. "Entrei em depressão a ponto de não conseguir pegar nos livros por dois meses, sem falar que ganhei cerca de 20kg. Aos poucos fui retomando a rotina de estudos, mas o meu rendimento despencou. Estava tão afetado que cheguei a ponto de ir ao Piauí fazer uma prova, ir até a porta da sala e desistir por não me achar preparado. O meio dos concursos é cruel, você tem que ser simplesmente o melhor, não tem espaço para o segundo lugar", lamenta.
De acordo com o psicólogo Fábio Calo, atualmente é muito comum estudantes apresentarem depressão devido ao grande contingente de pessoas que alimentam o sonho de ser servidor. "O concurseiro abre mão de muitos prazeres que dão equilíbrio à vida, como o convívio com a família, as saídas de fim de semana, as viagens... tudo para se dedicar aos estudos e isso acaba afetando seu rendimento. A depressão por vezes é o resultado de muita pressão. Nesses casos, a ajuda profissional é sempre bem vinda e o psicólogo é o especialista mais indicado. Seu trabalho irá consistir principalmente em motivar o paciente a continuar numa rotina eficiente de estudos em busca da aprovação".
Segundo Calo, os sintomas mais comuns entre os concurseiros depressivos são a queda na quantidade de tempo dedicado e na qualidade dos estudos, a dificuldade de concentração, a prática de atividades que os desviam dos estudos, as alterações no sono e na alimentação, a desesperança e a desistência.
Dentre as ações que são desenvolvidas pelo psicólogo estão as de esclarecer os objetivos individuais que levaram o concurseiro a querer ser um servidor - já que com a árdua rotina de estudos isso muitas vezes acaba sendo esquecido-; fazer com que ele enxergue e valorize as boas perspectivas que se concretizarão após a aprovação, como a melhora da qualidade de vida adquirida por meio da estabilidade financeira, emocional e familiar; e investigar se a pessoa possui outras patologias que atrapalham os estudos e contribuem para a evolução do quadro depressivo, como déficit de atenção e/ou transtorno de ansiedade.
Para evitar a doença, o recomendado é o equilíbrio. Em meio à disciplina e à dedicação aos estudos, não se esqueça de tirar um dia da semana para descansar a mente com leituras mais leves, não deixe de praticar algum tipo de atividade física e se relacionar com a família e encontre prazer na rotina de estudos. Essas são atitudes de equilíbrio que certamente contribuirão para amenizar as tensões da maratona de preparação e farão com que você, concurseiro, não desista do sonho do serviço público.
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